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24 DE SETEMBRO DE 2024
POR: JOSÉ ANDRÉS LOPES DA COSTA
O recém-aprovado RERCT trouxe uma série de inovações ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, ampliando significativamente o escopo e a abrangência de bens e ativos que podem ser regularizados. No entanto, ao mesmo tempo que oferece uma oportunidade única para que contribuintes regularizem sua situação fiscal, o novo regime não impõe restrições à adesão de agentes públicos e seus parentes, o que levanta importantes questões jurídicas e éticas. O debate gira em torno de dois princípios constitucionais: a isonomia tributária e a moralidade administrativa.
Uma das mudanças mais marcantes no novo RERCT em comparação ao regime original de 2016 é a sua ampla abrangência. No RERCT de 2016, os contribuintes podiam regularizar apenas bens e recursos mantidos no exterior que não haviam sido declarados ou foram declarados incorretamente. O novo regime, no entanto, expande esse alcance para permitir a regularização de bens localizados no Brasil, o que amplia consideravelmente o número de contribuintes que podem se beneficiar dessa oportunidade.
Além disso, o RERCT atual também inclui um rol mais amplo de bens regularizáveis. Enquanto a lei de 2016 se limitava a ativos financeiros, como depósitos bancários, imóveis e participações societárias, a nova lei permite a regularização de ativos intangíveis, como marcas, copyrights, software e patentes, e bens tangíveis como veículos, aeronaves e embarcações. Essa abrangência maior reflete uma evolução do mercado e das estruturas patrimoniais dos contribuintes, além de incluir também movimentações financeiras, mesmo que os bens não estejam mais sob titularidade direta do contribuinte.
A expansão no rol de ativos que podem ser regularizados também abrange, em nosso ponto de vista, os criptoativos, que ganhou relevância nos últimos anos, sendo inestimável o valor desses ativos de propriedade de contribuintes brasileiros não declarados ou declarados de forma incorreta e que escapam aos sistemas de cruzamento de informações tradicionais como FATCA e CRS. Embora o texto da lei não mencione expressamente os criptoativos, entendemos que estes podem ser enquadradas como ativos intangíveis, permitindo sua regularização patrimonial e tributária de forma semelhante aos demais bens contemplados.
Outro ponto interessante é que, no RERCT de 2016, a legislação impôs uma restrição clara à adesão de agentes públicos, políticos e seus parentes até o segundo grau. Essa vedação foi justificada pela necessidade de preservar a moralidade administrativa e evitar que ocupantes de cargos públicos, especialmente aqueles com acesso a informações privilegiadas, se beneficiassem do regime de regularização. A exclusão de agentes públicos também buscava mitigar conflitos de interesse e garantir que o regime fosse utilizado de forma transparente.
A vedação original presente na Lei nº 13.254/2016, que criou o primeiro RERCT, foi amplamente aceita na época justamente porque buscava garantir a integridade do regime e proteger a confiança do público no programa, evitando que dinheiro proveniente de possíveis desvios de recursos públicos fossem regularizados em nome próprio ou de parentes. A exclusão de agentes públicos foi vista como uma forma de assegurar que aqueles responsáveis pela gestão do país não se beneficiassem de um regime de regularização em condições potencialmente questionáveis.
A ausência de restrições no novo RERCT levanta um importante debate sobre dois princípios constitucionais fundamentais: o princípio da isonomia tributária e o princípio da moralidade administrativa. O princípio da isonomia tributária, previsto no art. 150, II da Constituição Federal, veda a discriminação entre contribuintes com base na ocupação profissional ou função. Isso significa que, sob o ponto de vista da isonomia, todos os contribuintes – incluindo agentes públicos – devem ser tratados de forma igualitária. Nesse sentido, a exclusão de políticos e agentes públicos poderia ser considerada uma violação ao princípio da igualdade, já que impediria que esses indivíduos regularizassem seus bens nas mesmas condições que os demais contribuintes.
Por outro lado, o princípio da moralidade administrativa (art. 37 da Constituição Federal) exige que os agentes públicos ajam com ética e transparência, o que justificaria a imposição de uma restrição à adesão de políticos e gestores públicos ao RERCT. A possibilidade de que esses agentes possam utilizar o regime para regularizar bens não declarados, muitas vezes adquiridos durante o exercício de seus mandatos ou cargos, levanta questionamentos sobre a probidade administrativa e pode afetar a confiança no programa.
Essa tensão entre os princípios da isonomia e da moralidade precisa ser equilibrada. O STF não chegou a se pronunciar diretamente sobre a constitucionalidade da vedação a agentes públicos no primeiro RERCT. Em nosso ponto de vista a restrição sempre foi injustificada, até porque é justamente a adesão de agentes públicos que possibilitará à Receita Federal verificar a compatibilidade entre os rendimentos desses contribuintes e o total de seu patrimônio, atendendo ao princípio da eficiência, igualmente previsto no artigo 37, uma vez que facilitaria e agilizaria o trabalho da fiscalização. A ampliação do rol de bens regularizáveis nos parece, igualmente, um avanço tendo em vista a evolução do mercado financeiro de capitais verificada nos últimos anos.
Artigo publicado no CONJUR