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O STJ e a revisão de decisões do Carf
09 de SETEMBRO de 2024
POR: JOSÉ ANDRÉS LOPES DA COSTA

A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial 1608161/RS, que limitou o cabimento de ações populares contra decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), marca um momento significativo para o direito administrativo e tributário no Brasil. Ao definir que a ação popular só deve ser admitida em casos de ilegalidade manifesta, abuso de poder ou contrariedade à jurisprudência consolidada, o STJ reforça a necessidade de respeitar as decisões do Carf, protegendo a integridade do processo administrativo e os princípios fundamentais que norteiam a administração pública.

O Carf desempenha um papel crucial na resolução de litígios tributários, sendo responsável por decisões que envolvem uma análise técnica profunda e uma interpretação precisa da legislação tributária. Suas decisões, que frequentemente envolvem questões de alta complexidade, devem ser respeitadas como definitivas na esfera administrativa. Contudo, a tentativa da Fazenda Nacional de anular suas decisões, por meio de ação popular ajuizada por um auditor fiscal, levanta preocupações significativas sobre a aplicação dos princípios da moralidade, legalidade e eficiência na atuação do Estado.

O fato de o autor da ação popular ser um auditor fiscal traz à tona questões sobre a finalidade e a moralidade desse tipo de iniciativa, uma vez que desvirtua o uso para o qual este tipo de ação foi instituída já na Constituição de 1934, qual seja, o de servir como instrumento de participação democrática que permitia ao cidadão defender o patrimônio público, a moralidade administrativa, o meio ambiente, e o patrimônio histórico e cultural contra atos lesivos. Assim, quando utilizada por agentes públicos em contextos que podem sugerir a existência de interesse pessoal ou institucional, há o risco de desvirtuamento de seu propósito original. O uso da ação popular como ferramenta para contestar decisões previamente analisadas e julgadas por instâncias competentes, como o Carf, coloca também em risco o princípio da legalidade, uma vez que desafia a autoridade de decisões que já passaram por um crivo técnico especializado.

Além disso, a iniciativa da Fazenda Nacional de apoiar o autor da ação proposta, contraria o princípio da eficiência, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, que exige da administração pública uma atuação coordenada e objetiva, evitando o desperdício de recursos e a perpetuação de litígios desnecessários. A eficiência administrativa pressupõe que os órgãos públicos atuem de maneira integrada e que as decisões sejam implementadas de forma célere e eficaz, sem a interferência indevida de novas disputas que prolongam o processo e aumentam os custos para todas as partes envolvidas.

Nesse contexto, a crítica do ministro Paulo Sérgio Domingues à postura da Fazenda Nacional é extremamente relevante. Ao questionar a decisão de apoiar uma ação popular que visa anular uma decisão do Carf, o ministro não apenas aponta para uma possível incoerência na atuação da administração pública, mas também ressalta a importância de que os princípios da moralidade e legalidade sejam rigorosamente observados. O papel de um auditor fiscal deve ser o de garantir que a legalidade prevaleça, sem o uso de instrumentos processuais para reabrir discussões que já foram exaustivamente analisadas por instâncias competentes.

Outro ponto que merece destaque é o impacto que ações como essa podem ter sobre a percepção pública da administração tributária. O uso da ação popular, quando motivado por razões que extrapolam a defesa do interesse público, pode ser visto como um desvio de finalidade, comprometendo a imagem da administração pública perante os contribuintes e a sociedade. A confiança no sistema tributário depende da percepção de que as decisões são tomadas de maneira justa e objetiva, respeitando princípios basilares de direito administrativo.

Ainda mais grave é o fato de que a postura da Fazenda Nacional, ao apoiar a anulação de uma decisão do Carf, contraria o princípio da vedação ao venire contra factum proprium. Este princípio impede que a administração pública adote comportamentos contraditórios, violando a boa-fé e a legítima expectativa dos cidadãos. Quando a administração pública age de maneira incoerente, como ao tentar anular uma decisão que ela mesma produziu, fica comprometida a credibilidade do Estado e a previsibilidade do sistema jurídico, gerando insegurança e incerteza.

Em última análise, a decisão do STJ fortalece a confiança nas instituições públicas e no sistema tributário como um todo. Ao proteger as decisões do Carf contra revisões indevidas, o tribunal contribui para a manutenção da ordem e da justiça no processo administrativo. Essa decisão é um passo importante para garantir que o sistema tributário brasileiro continue a evoluir de forma justa e eficiente, assegurando que as decisões administrativas sejam tratadas com o devido respeito e que os princípios da legalidade, moralidade e eficiência sejam rigorosamente observados.

Em conclusão, ao impor limites claros para o uso da ação popular contra decisões do Carf, o STJ não só protege a integridade do processo administrativo, mas também reafirma os princípios que devem guiar a administração pública em todas as suas ações. A decisão contribui para a construção de um sistema jurídico mais estável e confiável, onde as decisões são respeitadas e as instituições agem de forma coordenada e eficiente, garantindo a segurança jurídica e a justiça para todos os cidadãos.

 

Artigo publicado no Valor Econômico

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