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Reação brasileira à escalada tarifária de Trump precisa ser mais sofisticada

27 de julho de 2025
POR: JOSÉ ANDRÉS LOPES DA COSTA

O anúncio da imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros por parte do governo Trump deflagrou, como era de se esperar, uma reação imediata de autoridades e comentaristas. A ideia de que o Brasil deveria acelerar sua reorientação comercial em direção a mercados como China, Rússia, Índia ou Irã voltou à tona com força.

Trata-se, em tese, de uma resposta racional. Diante de uma sanção tarifária norte-americana, a alternativa natural seria aprofundar o comércio com outros polos de poder. A narrativa tem apelo e respaldo histórico. Mas ela está, neste momento, negligenciando os riscos estratégicos envolvidos.

O que quase ninguém está percebendo é que o problema enfrentado pelo Brasil não se limita às tarifas. Elas são, na verdade, apenas o sintoma mais visível de uma malha regulatória muito mais profunda e muito menos discutida, que opera por mecanismos técnicos, listas confidenciais e cláusulas em contratos de financiamento, transporte e seguro. O nome dessa malha é controle de exportações. E a ponta mais agressiva de sua aplicação global atende por uma sigla: OFAC.

Pouco conhecida fora dos círculos especializados, a OFAC (Office of Foreign Assets Control) é uma agência do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos responsável por administrar sanções econômicas. Seu poder deriva não de tarifas oficiais, mas de sua capacidade de bloquear ativos, cortar relações bancárias e excluir empresas e pessoas do sistema financeiro internacional.

Basta uma única conexão com os Estados Unidos, como o uso do dólar em uma transação comercial, um componente de origem americana, o trânsito por um servidor baseado em território americano ou mesmo um pagamento processado por banco correspondente em Nova York para que sua jurisdição seja acionada. E, uma vez acionada, ela pode esmagar empresas inteiras e impor prejuízos bilionários, inclusive fora dos EUA, já que essas normas têm alcance extraterritorial.

Esse aparato não opera sozinho. Ele se integra ao sistema de regras conhecido como Export Administration Regulations, que impõe controles a qualquer exportação, reexportação ou transferência de bens e tecnologias sensíveis. A lista de bens controlados é ampla. Não se restringe a armamentos ou equipamentos de segurança, mas também alcança softwares de navegação, sensores industriais, semicondutores, drones, peças de aeronaves e dispositivos que fazem parte da cadeia produtiva de inúmeros setores civis.

É aí que reside o verdadeiro impasse brasileiro. Quando se afirma que o Brasil pode substituir os EUA por mercados como o chinês ou o russo, esquece-se que esses mercados estão, eles próprios, profundamente entrelaçados com o regime de sanções e controles extraterritoriais norte-americanos.

Exportar para uma empresa estatal chinesa que conste de alguma lista restritiva do governo americano pode ser tão perigoso quanto exportar diretamente para o Irã. Realizar uma transação de carne bovina para um comprador russo pode ser inviabilizado se o financiamento passar por banco que opere sob jurisdição americana, o que, na prática, significa quase todos os grandes bancos do mundo. A operação não precisa ser ilícita. Basta que ela seja vista como arriscada. E o risco, nesse universo, é definido por Washington.

No setor de aviação, a situação é ainda mais delicada. Empresas como a Embraer utilizam motores, softwares e sistemas de navegação fabricados por companhias norte-americanas. Cada venda para mercados classificados como sensíveis exige não apenas o mapeamento de componentes, mas também a solicitação formal de licenças, cuja concessão está sujeita a vetos unilaterais.

Isso significa que o governo americano pode bloquear a exportação de um jato brasileiro a um país terceiro com base no simples fato de que parte de sua tecnologia é de origem americana. E pode fazê-lo sem anúncio, sem aviso e sem direito de resposta.

No agronegócio, onde se imagina maior liberdade, os riscos tampouco são desprezíveis. A cadeia de exportação de grãos, carnes e fertilizantes depende de uma infraestrutura tecnológica que inclui desde softwares de rastreabilidade e sistemas de armazenamento até equipamentos agrícolas dotados de sensores que podem estar sujeitos a controle.

Além disso, os contratos são lastreados em dólares, os pagamentos passam por bancos internacionais e os seguros marítimos são emitidos por grandes conglomerados ocidentais que seguem, rigorosamente, as diretrizes impostas pelas listas de sanção.

O que se tem, portanto, é um quadro em que o Brasil não está apenas cercado por tarifas. Está cercado por normas que regulam, de forma indireta e quase invisível para muitos, a sua capacidade de acessar mercados alternativos. E é justamente aí que o dilema se torna mais agudo: quanto mais o país tenta fugir da penalização imposta pelo mercado americano, mais se enreda nas teias que esse mesmo sistema lançou sobre os mercados não alinhados.

O resultado é a configuração de um verdadeiro nó górdio, no qual toda saída aparentemente simples está, na realidade, amarrada a múltiplos riscos nem sempre evidentes mas interconectados. Cortá-lo exigiria uma lucidez estratégica que, até agora, está ausente no debate público.

A reação brasileira à escalada tarifária de Trump precisa, portanto, ser mais sofisticada. Não se pode responder a uma ação política com uma estratégia ingênua nem com discursos patrióticos. Se queremos diversificar destinos, precisamos antes compreender as limitações reais que pesam sobre esses mercados. Isso exige conhecimento técnico, coordenação institucional e capacidade de negociação internacional em um nível muito mais elevado do que aquele que temos demonstrado até aqui.

O que está em jogo não é só a perda de um mercado. É a perda do direito de escolher com quem negociar. É a constatação de que, mesmo fora do alcance visível das tarifas, as amarras continuam. Invisíveis, mas eficazes. E, neste momento, perigosamente negligenciadas.

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